domingo, 21 de julho de 2013

Introdução

A maior parte dos autores considera difícil reconstituir as ideias e práticas religiosas, pois eram constantemente renovadas. Os africanos não islamizados possuíam apenas tradições orais. E julgavam a religião por sua vivência diária, sobretudo quando se tratava de aliviar sofrimentos e de assegurar paz, prosperidade e fecundidade. As religiões estavam sujeitas a transformações, constituindo-se num dos aspectos mais plurais da cultura. 

Os bantos mantiveram certa homogeneidade religiosa: ideias sobre um espírito criador, espíritos de ancestrais e da natureza, filtros e feitiços, rituais e feiticeiros eram comuns. Cada grupo, contudo, chegava a ideias e práticas específicas. No século XV, por exemplo, o povo congo parece ter partilhado a noção de que um "espírito criador" estaria acima dos demais, e que as forças da natureza e dos ancestrais eram muito ativas. Estatuetas era o suporte material dos avós mortos e, por extensão, figuras por meio das quais se recuperava e utilizava os espíritos do além.
 
A fertilidade agrícola era invocada por chefes da terra, que se serviam de mediadores espirituais. Já no reino Cuba, no século XVIII, veneravam-se três espíritos criadores diferentes numa mostra da complexidade da religião e pensava-se que as ameaças naturais eram fruto de desordem social e moral. No Mali do século XI sacrificavam-se animais para chamar chuva. No Benim, a divindade mais cultuada, segundo alguns autores, era Olodum: ele garantia filhos e riquezas e era o benfeitor particular das mulheres.

Na Costa do Ouro, os homens comuns, por vezes, endereçavam ao sacrifício uma de suas mulheres ou alguns de seus Filhos. Em Bissau, quando da morte do rei, sacrificavam-se jovens que caminhavam para a morte cantando e dançando. As pessoas eram simplesmente decapitadas. Entre os dogons, as cerimônias funerárias incluíam danças no telhado da casa dos defuntos, nas quais muitos mascarados participavam segundo regras precisas. O objetivo era afastar a alma, evitando que esta voltasse, apavorando os membros da família. Onde havia sistemas patriarcais dominando as sociedades, prosperava o culto aos ancestrais.

Onde a organização das aldeias era forte, a religião apoiava-se em sociedades secretas cujo objetivo era tirar força dos espíritos para curar doenças, assegurar a fertilidade e combater feitiços. É o caso da sociedade de iniciação Poro.

Os iorubás e outros povos aparentados veneravam, por sua vez, várias divindades: os orixás, divindades da natureza (trovão, rios, arco-íris etc.) que, depois de sua deifícação foram assimilados a ancestrais fundadores de dinastias. Elas intercediam entre os homens e o deus criador, Olodum.
Os iorubás e outros povos serviam a um orixá quer por herança, quer porque a divindade, por intermédio de um adivinho, os teria escolhido. Alguns orixás eram reconhecidos em certas aldeias ou cidades, outros, em toda uma área cultural. Os seus adoradores podiam reunir-se e formar um grupo local provido de templo, imagens, sacerdotes, rituais coletivos e uma função no intenso e colorido ciclo de festas. A adivinhação também era largamente utilizada.
 
As coisas mudam quando surge o Islã. Esse se expandiu pela savana graças ao comércio. O Alcorão chegava junto com as barras de sal, os fardos de tecidos, os cestos, os objetos de cobre e os alimentos. Devota de divindades ligadas a terra, às águas, às árvores, temia e respeitava este misto de comerciantes e sacerdotes, que perambulavam com talismãs ao pescoço - saquinhos de couro contendo um trecho do Corão - capazes de protegê-los

No século XIV os tuaregues se convertem à nova fé. Nasce um grupo clerical, os kuntas, afiliado a uma das mais importantes fraternidades consagradas à penetração do Islã. A dinastia Songai enraizada na curva do Níger se manteve, todavia, fiel à religião local. Entre os haussás, no fim do século XV, os soberanos das cidades-estados de Cano, Zaria e Katsina eram muçulmanos, mas isto não evitou tensões e resistências. Na última, um reputado centro de educação, conservavam-se ritos pagãos de coroação. O palácio, apesar do islamismo, era um bastião de culto aos espíritos.

No sul, a expansão foi mais difícil. Grupos islâmicos vindos do norte da África e até do Oriente Médio pelo Sael, chegaram entre os iorubás no século XV. Mas, aos fins do século XVIII, o clero dos Estados haussás considerava que os iorubás pagãos podiam ser reduzidos à escravidão. Tanto religiosos muçulmanos quanto cristãos consideravam as religiões africanas obras do diabo. No reino Kano, islâmicos abateram árvores sagradas de onde saíam, segundo eles, "estranhos demónios", para construir mesquitas no lugar. Os africanos consideravam os muçulmanos poderosos feiticeiros. O islamismo mudou até a genealogia dos reis negros. No Mali, diziam-se descendentes do muezim - aquele que anuncia em voz alta, as horas de preces - do profeta Maomé. O Islã oferecia aos africanos do oeste uma idéia mais precisa do Criador e das maneiras de se aproximar dele, poderosas visões do paraíso e do inferno, um sentimento de destino a atingir e uma cosmologia sob autoridade da revelação divina.

Nas cidades haussás do Bornu tudo isto foi adotado, mesmo por aqueles que continuaram adeptos do panteão local. Alá fundiu-se com o espírito criador. Emprestou-se da nova fé a idéia de anjos e demónios. Adotou-se a idéia de uma figura profética capaz de revelar o saber divino aos homens. Resultou disso uma variedade de crenças que os soberanos encorajavam na preocupação de manter a harmonia.


Portanto, na sua terrível luta contra a natureza, os africanos se preocupavam, sobretudo, com a prosperidade e a harmonia no seio do mundo terrestre. Este ideal era encarnado pela figura do "grande homem", rico em armazéns de grãos, em gado, em ouro e, sobretudo, em escravos prontos para assegurar trabalho, segurança e poder. A busca da prosperidade levava a um espírito de reciprocidade, provado através da distribuição de bebidas, comidas a todos. A fortuna - arziki, em haussá - se perdia facilmente onde a natureza era hostil e a morte se mostrava tão presente. Num mundo onde não faltavam terras, pobres eram aqueles que não podiam trabalhar. Sob certos aspectos, até o sec. XV, as sociedades da África Ocidental não se distinguiam muito de algumas europeias, dependendo prioritariamente do trabalho familiar para sobreviver.

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